domingo, 25 de janeiro de 2009

Pérfidas auras de anjos mortos
Criptas agrestes solos depostos
Auras negras solitárias em fuga
Erguidos contos na sombra ruga

Corpos audazes na sina do fim
Mortos em pielas perfumadas
Nesse feno extraído do capim
Dos seios de prostitutas amadas

Agoniante bagaço cerebral
No alguidar bebido do mal
Ébrios demónios sentimentais
Farrapos na pele de animais

Crentes bebedeiras inanimadas
Fruto da árvore morta no deposto
Meninas nas ocasiões afogadas
Dormem-me nas olheiras do rosto.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Zombie

Meia-luz entre olhares
À cadência de caracóis
Estendais de pestanas
Pálpebras feitas lençóis

Há cegueira degolada
Nas esferas da secura
Noite que rola agarrada
No espasmo da fartura

Dormência de tanto nada
Seca em bafos noctívagos
Tudo de nada, tanto nada
E tudo a trote de ímpetos

Olheiras em cordas nuas
Nos baloiços dos estendais
Que folgam nas fachadas
Os duros tributos prediais

Tanta dureza, eu não posso
Que oscilo na corda bamba
Fio-de-prumo estica o fosso
Que estilhaço eu frágil bomba.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Cópia

Sol, prazer, luz
Espelho em reflexo
Alma que reluz
Imagem de nexo

Lua, dor, breu
Imagem de imagem
Luz que rompeu
Tudo na miragem

Vidro num tratado
Deserto espelhado
Amarro na escrita
A imagem infinita

Sol, Lua, prazer e dor
Ver-te cópia nua,
Imitação, nudez, pudor
A presença que é tua!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Amargo

Unha e carne
Sebo e dor,
Acre vinagre
Copo de suor.

Tornos e dedos
Roídos de aperto
Ferros nervosos
Anéis sem acerto.

Carne e unha
Dor e sebo,
Ó testemunha
Ignóbil Diabo.

Carne pecado
Doce mel,
De frasco fiado
Sabor a fel.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Alpinista

Escalei os Pirenéus dos teus dentes
Cobertos de neve, imaculados.
Conquistei os virgens cumes,
Repletos de branco, inexplorados.

Níveos alvos castos,
Até então desconhecidos!

Actividade Paranormal

Tudo era calmo, tudo dormia,
No negro infinito, nada mexia.
A noite repousava nas folhas congeladas,
Das copas, de árvores em gelo petrificadas.

Havia vagões de energia, vazios,
Margens secas, em silencio os rios,
Nada mexia, nada que se ouvisse,
Nenhum espectro que eu sentisse.

Nem arrepios, ou esqueletos a tremer,
Nem sinal de buracos negros espaciais;
Tudo era um feixe negro por acender,
Tudo era calmaria, de nada Carnavais.

Eis que um mocho surge no escuro
Alisando o denso nevoeiro,
Voando cego, não enxerga o velho muro,
Tropeça, e cai estridente num salgueiro.

Que foste tu fazer? (Perguntei eu),
Já a caminho vinha o susto desmedido.
Perdoa-me! (Foi a resposta que deu),
Renascia o medo desse bosque perdido.

Extasiamos imóveis, repletos de medo,
Nas espinhas um carreiro de formigas,
O coração a galope de cavalo assustado,
Que quase nós matava ao som de balas.

Havia todo um Saara na minha garganta,
Um nó cego que estrangulava e apertava.
Era um pânico em ataque que rasgava,
No percurso do chiar da velha porta.

E surgiram em bandos, imensos fantasmas,
Num estouro de actividade paranormal;
Sustos em vagas de estranhas criaturas,
Residentes numa dimensão sobrenatural.

Tudo ficou louco, tudo mexia agitado.
Um remoinho vulto da energia do Além
Rodopiava gracejando entusiasmado,
Das forças de quem eu vivo refém.

De súbito como surgiram, evaporaram,
Todos eles, todos da freira decapitada,
Ao marujo sem perna... todos sumiram
De volta à sua mansão assombrada.

Fado da paixão

Some paixão, vai a correr distante
Longe, fora do além de quem te quer
Ainda vive o teu derradeiro amante,
O que só implora para te esquecer

Ó Negra viúva, namoras nas teias
Envolta no vento transparente,
Caças por lá os incautos dissabores,
Assim que nas sedas, tu os sentes!

Folga paixão remota com o vento,
Respira distante de quem te quer,
Não empurres mais o tormento
A quem nas mãos não o quiser.

Infeliz quem com ela adormeceu
Na esperança de nela poder viver.
Quando acordou é que percebeu,
Que a paixão em vida é de morrer!

sábado, 10 de janeiro de 2009

Lua

Lua, lua, deitada tão nua,
Ó lua fria senhora da aurora
És candeeiro da rua,
Amante em outra hora.

Nova, nova, pela noite fora,
A descer cheia pela rua,
A pisar passos de outrora
Virgem, alada e pura.

Cheia, cheia, truque de magia
Nesse brilho que ilumina
Uma noite que não é dia,
Luz de foguete que fulmina.

Noite, noite, sem a Lua
Escuro que deita sem feitiço
Um suspiro feito de míngua
truque véu que é postiço.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Inspiração

É nesta janela onde deslumbro a luz
A brilhar no espelho do chão molhado,
Que deposito a imagem da fé na cruz,
Procura reflexa no milagre inspirado.

Largo no beiral do altar de mármore
Nada crente, toda a fé dela mesma,
Religiosa imagem no abrir do estore,
De onde surges súbita alma fantasma!

Agradeço-te a ti, ó janela?
Árvore da minha inspiração!
Ou, agradeço à divina vela?
A luz colhida da imaginação...

Cigano destino

Trás a elegância da nómada raça
No seu gesto coberto de mulher,
A Cigana que desfila com graça,
Não vai na graça a borla oferecer.

São de dourado os seus passos,
Os brincos, as sortes do rosto,
Os olhos a compasso desenhados
O charme no seu andar deposto.

Vendia na banca do destino a sina
Que mora na rua das nossas palmas,
Cita num beco, em sua cintura fina
Na tenda de um baralho de cartas.

Ao destino meu, que a preço o lê-o,
Disse a cigana, bola de cristal:
“Escuta-me, que este destino é teu,
e sina é, de uma paixão Musal...”

sábado, 3 de janeiro de 2009

Vestido encarnado carnal

Uns lábios quentes de fogo
Numa pele macia de veludo,
Ao corpo, um tingido vestido
pregado..., ai que desassossego!

Carnosos montes de pecado,
Doces, macios, carregados de cor.
Cintilante conjunto de vermelho
Na moda..., ai que tentador!

Despe-os, devagar para eu ver
Sem pressa, lentamente nos meus,
Mostra-me esse manto de Deus,
Para o meu suspiro neles arder.

Aceita o meu dedo nas dobras,
No teu vestido encarnado carnal
Limites em que toco as chamas,
A viver em fogo um jogo mortal.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Lareira

Eloquentes...
A fogo lento, guardas os segredos,
Dos velhos trapos, envoltos em xailes,
Estão gastos, são panos crispados,
Das danças dos velhos bailes,

Mil…
Toros consumidos no fogo vermelho,
Em brasas da irreverência juvenil,
Imagens, reflexos de um espelho,
Desgostos ardidos pela cor do caril.

Queimados…
Na reunião do lume acesso,
Descansam as memórias de todos.
Velhos, amenos, novos, reunidos a peso,
Na roda do lume, queimam os medos.

Quentes…
As distancias aquecidas entre gerações,
Feitas as fábulas, quebram-se as idades,
Aceitam-se as hóstias dos mil perdões.
Perdoas-nos também tu, poderoso Hades...?
Leio-me na escola dos escritores,
Irei ai, entender-me? Compreender...
Desembainhar-me na escrita de sabres,
Ver o fio da lâmina a cortar com prazer.

Ávidas páginas, brancas em sofrimento,
Escritas por mortos, que o são antes de ser.
Às folhas imploram, um conciso adiamento,
O Perpétuo túmulo erigido a escrever…

Aplainam em glosas os textos,
Contornam os rígidos nós da madeira,
Como quem esconde os seus defeitos.
Esses covardes sem terra, nem bandeira.

Leio-vos portanto!
A tentar, entender-me.
Ah! Exclamação de espanto!
Estarão os livros a ler-me?

Adeus passado

Nada volta a ser, mesmo igual…
É uma viagem de um só sentido.
A nostalgia é refresco matinal,
Esperança de um copo partido.

Perseguidas as estátuas pela erosão,
Do tempo…, que não para mais…
Os alicerces da base em corrosão,
Figuras graníticas, que caem sem ais.

Adeus passado, que eu não parei,
Ah! Adeus nostalgia…, de um passado.
Continuo na viagem que embarquei…
Passado não mais fico, em ti, cismado!

Sem sentido

Horas a passar sem minutos,
Terra a rodar ao contrário
Querendo ser a mãe dos astros;
Ou, um padre que é ordinário.

A chuva que cai da terra ao céu,
Uma água que queima o fogo,
Um juiz preso, julgado pelo réu;
Um peixe que sobrevive sem folgo.

Um homem que corre sem pés
À volta de um globo plano.
E, um só sentido com revés,
Ou, um louco preso nada insano.

E um coração vivo que não bate,
O caos que acalma a paz,
A corrida que o ultimo vai à frente,
E, até um prazer que não satisfaz.

Sem sentido, amar sem gostar.
Sem sentido, é viver depois de morrer...
Ó caneta que sujas o papel sem o tocar,
Tem sentido eu existir sem o perceber?