sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O morto tem querer?

Que estranhos rituais estes
Onde regam os mortos com lágrimas,
Gotas vindas das almas tristes
Derramadas nas pedras das campas.

Não adianta regar jardins mortos
Que a flor da vida murchou,
Porque na vida somos fósforos,
Um pau morto assim que queimou.

E porque choram pelos defuntos,
Se em vida os traziam no coração!
As almas querem apenas ver sorrisos,
Como adeus neste intervalo de oração.

Eu, à minha alma já confessei,
O enterro que quero ao meu cadáver.
Aos meus amigos apenas direi:
- Façam uma festa quando eu morrer.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O pranto do rouxinol

Vi um passarinho que chorava
As dores de um amor perdido,
O infeliz num ramo perguntava,
Porque não era mais amado?

Escuta as mil folhas rouxinol!
Elas murmuram no vento,
Que ainda há o brilho do sol,
Para secar esse teu tormento.

Mas do coitado só lágrimas...
E mágoas presas no bico.
Eram do vazio que tinha no peito.

E arrancando as inerentes penas,
Ele dizia: - Eu neste ramo fico,
Que esta árvore será meu leito.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Queria ser Pessoa,
Mas pessoa nem sou,
E mesmo que doa
Sou o que Deus criou.

Gente sou na tua sombra,
Escravo dessa escrita,
Que ao imortal assombra,
Essa poesia cosmopolita.

Já só quero ser gente
Um breve suspiro teu,
A ver se a vida consente,
Saber a um pobre ateu.

Vivo o escritor demente
Que estéril na palavra toa,
E que venera e sente,
As silhuetas de Pessoa.
Afinal sempre há luz
Em nossos horizontes
Um brilho que seduz,
As amarguradas mentes.

Uma comichão viva
Que percorre a alma
Um clique que salva,
E as almas aproxima.

E Juntas na bruma
De novo brilham,
São uma só, em suma,
Que unidas queimam.

Cada uma o seu pavio
Dos dias já vividos,
E deste novo desafio
Em que somos só amigos.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Ouço o sopro das feras
Sussurrando ao ouvido
A escolha das letras
Para que escreva sentido.

Ouço o grito dos mudos
Arrepiando-me a pele,
Pequenos gestos, curtos
Transcritos em papel.

Ouço até a dor de todos
E o pranto da caneta,
Que choram os seus erros
E a má sorte da roleta.

Ouço à noite os sonhos
Que alegram o sono,
E ouço ainda os pesadelos
Esses demónios sem dono.

Ouço a chama a pedir
Lenha para arder,
E o coração a sentir
A dor de te perder.

Ouço as folhas a chorar
Ao sabor do vento,
É o Outono a soprar
O triste desalento.

Ouço os pensamentos,
Ainda, mas já distantes
Somem devagar, perdidos
De sermos tão diferentes.

Ouço os suspiros da alma
De viver em dilema.
Porquanto busca calma
Em forma de poema.

Ouço quem não acompanha
E a incerteza do futuro,
Ai, que sensação estranha
De me sentir inseguro.

Ouço por fim, o silêncio
Que chama por nós,
Mantendo o desígnio
De escutar uma só voz!
Não morro por ninguém
Só por ti ó Pátria!
Mais sagrada que Belém,
Terra que por ti, eu morria.
*
Queimo eu, lentamente
Ao ritmo dum cigarro,
cansado da aguardente
e deste maldito catarro.

domingo, 3 de agosto de 2008

Sou uma esponja de sensações
Absorvente, aprazível ao tacto,
Um objecto inerte com funções
Mas que nada sente de facto.