quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A morte nem sempre o é
Há mortes que não o são
Nascidas de gente em pé
São as mortes da tentação.

Mortes rápidas de um fim
Prematuro quase invisível
Que enterram o breve sim
Ante a resposta previsível.

É uma desistência que vive
Numa morte de insistência
E não há milagre que avive
Esses amores à existência.
Deus! Deus? O que não creio!?
Mas que nem assim me descurou
E lá do alto da sua poltrona veio
Pregar-me onde se crucificou.

Pronto, agora que sangro na cruz
Continuo a não crer que sejas o Deus
Das coroas que na pele contraluz
O sofrimento sem fim dos teus.

Devoto? Qual crente meu o é sem fé?
Aquele que feliz nunca o foi até então?
O infeliz que nem a ver crê como Tomé?
Ou o torturado que não crê por aflição?

Deus, só no adeus que hei-de ter
Porque ai, já nada há a duvidar
E nada mais, eu terei a temer
Afinal à terra já fui a enterrar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Sincera escrita, única e verdadeira
Se não fluis livremente, algo se passa
Não me és falsa, nem matreira,
Portanto algo de estranho te ultrapassa.

És refém duma extrema fixação
Que se apoderou de quem comanda
A fluidez do objecto tentação
E mudou a ordem de quem manda.

Eu não o sou e, nem sei quem o é
Talvez nunca o saiba, afinal é difícil
Manter a lucidez do amor de pé,
Na viagem de uma escrita de míssil.

Nada te pensa, contenta ou satisfaz
Andas como o corpo que te alimenta
Ansioso, verde, apaixonado e voraz,
Fixado na impossibilidade que te sustenta.

Aparentemente de leve como o aguaceiro
És devorada rapidamente pelas terras secas
Que nem entregam a terra molhada ao cheiro
E cortam o pensamento a lâminas de facas.

Mas és a prova que há dias que escrevo
Num automatismo fruto da prática
E, apesar de o meu coração ser teu servo
O meu cérebro funciona como uma fábrica.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Gostava de descansar onde o tempo não descansa
Esperar por ele, sentado a ler, talvez um livro mudo
Um livro sem tempo, um livro que jamais avança
Sem a ordem e sem o toque do meu dedo sisudo.

E passava horas sentado numa espera relaxante
Num qualquer café de bairro, onde o tempo passa
De boca em boca, onde a conversa é adoçante
E onde todo o contador do tempo nunca massa.

Um livro, três dedos de conversa e outra italiana
Descansa na mesa, é vício beber o tempo no líquido
Passado entre chávenas caiadas de porcelana,
Já só elas reanimam este estado mole e lânguido.

Lá faço tempo e espero pelo tempo que não chega
Nas entradas e saídas entre portas e distracções,
Porque é no descanso que o tempo sempre se nega
Que eu descanso das minhas preocupações.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Estranho amor que nos meus olhos chora
Extraído do sumo das maças do teu rosto
É da fruta proibida que silencia e devora
O querer abraçar toda a árvore em gosto
Escreveria toda a noite se o sono não me levasse
Para o inconsciente onde o cérebro repousa,
Não descobri ainda cafeína com a qual não embalasse
A ir nesta sonolência impertinente e intrusa.

Assim sereno o lápis e fecho o pequeno bloco
E apago a luz tremule num bocejo dramático,
Já rendido puxo os lençóis para mim mais um pouco
Entregando-me definitivamente a um sono nada pratico.
Atingi que nasci para morrer…
Mas com as luvas que agarro a vida
Tenho a carne que me leva a viver
Esta existência que trago vestida.

Vida boa ou vida má
A acaricio com a minha indumentária
Perfeita ou imperfeita, eu só quero que vá
Durando até à hora da funerária.

Chegada essa hora da procissão
Dispam-me a jeitinho, se faz favor
Que já estou morto mas não sou chão
Onde todos cospem sem qualquer pudor.
A minha cabeça pulsa e aperta
E o corpo arrasta-se moído
Há um mar de suor na testa
Estão os anticorpos em sentido

Sofro sozinho num estado febril
Afundando as dores na cama
Deliro e grito já um pouco senil
Nestas horas que nada me acalma

Acudo o corpo com comprimidos
Receitas, mesinhas e orações
E imploro o perdão dos pecados
Na viagem da febre e das alucinações.

Estranha tristeza

Os meus olhos cerram-se piamente não deixando que deles
Cai-a só uma, uma só lágrima fugitiva e penosa pela face,
Fecham-se em dor, a deles na minha que partilho com eles
Mesmo sem o querer neste sofrimento que me entristece.